Projeto Batuque sAgrao- Gira por SC II Edição. Relato afetivo de um atuador afetado!
Começo pedindo a benção dos ancestrais e agradecendo imensamente a cada pessoa que esteve conosco nessa gira partilhando de momentos cheios de magia e reflexão. Começamos por Canelinha, num dia chuvoso Catarina nos recebe para abrirmos a seara na cidade entancada, que tem tantos amigos fazedores de arte e cultura que admiramos, a apresentação foi um misto de alegria por abrir a temporada e também honra, quando ao final dona Maria, mulher benzedeira, que já realizou inúmeras curas ao longo de seus 92 anos, pega na minha mão e diz “ você não estava só” e sorri… Depois fomos a Jaraguá do sul, acolhidos generosamente pelo maravilhoso Adriel, que além de fazer o material gráfico do espetáculo esteve conosco produzindo essa sessão, somos muito gratos por toda boniteza que brota das mãos e ideias dele. Antes mesmo da peça começar vem uma mulher negra e nos presenteia com cartões com diversos orixás e santos, já senti que os caminhos estavam se abrindo, durante a apresentação pela primeira vez ela cantou comigo e estava tão em cena que cheguei a balancear. A apresentação foi potência pura!!! E nessa semana fechamos em Itajaí, acolhidos pela mestra em residir e resistir teatro em SC, Denise da Luz, nesse dia como nos outros choveu, mas, nesse choveu bastante e aquele receio de “será que as pessoas veem hoje?”, e surpreendemente vieram e giramos conectados com aquele espaço sagrado concebido por Max Reinert e Denise da Luz, me sinti honrado em saravar e teatralizar naquele solo cheio de histórias, nesse dia no bate papo uma atriz/espectadora falou algo que me chamou atenção “ eu não acho que o que foi feito aqui hoje tenha sido um espetáculo, eu fui roubada, quando eu percebi eu estava tão imersa que esqueci que era um ator, quanto mais as informações ditas foram me batendo mais eu pensava bate mais, é importante doer para refletir e mudar…” fora outras coisas lindas sobre esse encontro, que presentão em véspera de aniversário. Retomamos na semana seguinte com a apresentação de contrapartida social na Comunidade Quilombola Invernada dos Negros em Campos novos, já na montagem em conversa com uma das lideranças da comunidade, que nos recebeu ternamente, Edson Camargo, vimos o quanto aquele espaço é precioso! Quanta história, resistência, luta, ancestralidade habita naquele lugar que deveria ser muito mais valorizado e preservado. Começam a chegar os (as) espectadores (as), para minha surpresa, muitas famílias, pessoas de todas as idades, Ingrid ao abrir o evento reforça a classificação indicativa do espetáculo e solicita a autorização dos pais e responsáveis para que menores de 16 anos, caso os pais queiram, adentrem para assistir o espetáculo e assim foi, uma das nossas maiores plateias da circulação, me arrisco a dizer que foi a mais heterogenia também, meu coração parece que vai sair pela boca, acredito que por tudo que significa apresentar esse trabalho num Quilombo, e que presente foi essa apresentação, todo mundo muito atento com o momento e com tudo que tínhamos para partilhar, silêncios recheados, foi desafiador demais para mim dizer alguns textos, me emocionei profundamente, a ponto de ter dificuldade de falar pois, as lágrimas me lavavam, ressaltar a história de Mãe Bernadete e seu filho Binho Pacífico, líder quilombola executada por conta de toda violência sistêmica no Brasil e tantos os outros textos que na peça reforçam o combate ao racismo religioso. Pra fechar a noite meninos brincavam livremente com o tambor/atabaque do cenário, num ritmo único, como se continuassem dançando com os nossos ancestrais, um curumim me olhou e disse “ tio, eu gostei muito de você”, eu bobo desci até ele e peguei na sua mão e agradeci e ele completa “ você vai na minha casa amanhã? É aquela azul lá no fundo”… E para fechar essa gira cheia de presentes e encontros, fechamos em Criciúma no Ninho dos Revirados, que gente mais amada, sempre nos sentimos em casa, além de serem uns dos artistas que mais admiramos pelo trabalho e trajetória, são amigos muito queridos. A apresentação foi com o circo cheio, olhos atentos e emoções atravessadas entre nós, com direito a relato de um espectador que lembrou que morou ao lado de uma mãe de santo que há mais de 50 anos teve seu terreiro em Criciúma e juntava todas as pedras que jogavam em seu telhado e colocava num pilão, na hora pensei “para Xangô fazer justiça”, fora outras palavras que nos fortalecem falando sobre a importância desse espetáculo na desmistificação da demonização e preconceito com os povos de terreiro, sinto que fechamos esse projeto com chave vermelha, do Bará (Exú), que nos acompanhou desde o começo. Quero agradecer imensamente a Ingrid e Fabio que embarcaram nessa coragem de levar uma obra de arte- ritual-ancestral-denunciativa pelo estado de SC, e agradecer sobretudo a cada pessoa que foi ao nosso encontro para partilharmos desses momentos sagrados, até breve, axé!
Proposta Cultural realizada com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina, pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC), por meio do Prêmio Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura – Edição 2023.
João Tomaz Santos